A Aplicação das Teorias da Desconsideração da Personalidade Jurídica em Sociedades Anônimas

No recente julgamento do Tribunal Superior do Trabalho (TST) no processo RR-1000731-28.2018.5.02.0014, a 7ª Turma enfrentou uma importante questão relacionada à desconsideração da personalidade jurídica em sociedades anônimas e à responsabilidade de seus administradores por débitos trabalhistas. A decisão proferida neste caso oferece uma reflexão sobre a aplicação das diferentes teorias da desconsideração da personalidade jurídica e seu impacto no Direito do Trabalho. Veja a ementa do julgado:

III – RECURSOS DE REVISTA DOS AUTORES. ANÁLISE CONJUNTA. MATÉRIA COMUM. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. SOCIEDADE ANÔNIMA. 1. O caso versa sobre a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora e consequente responsabilização de seus administradores pelos créditos devidos ao obreiro. Discute-se se, para a responsabilização dos administradores da sociedade autônoma, deve-se adotar a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica prevista no art. 50 do CCB, que exige a comprovação de culpa ou prática de ato abusivo ou fraudulento por parte dos administradores, ou a teoria menor, disciplinada pelo art. 28, § 5º, do CDC, que permite a desconsideração pelo simples inadimplemento ou ausência de bens suficientes para a satisfação do débito. 2. No presente caso, o Tribunal Regional consignou que “não há que se exigir do empregado credor a prova de eventual fraude dos sócios. Basta a inadimplência da empresa empregadora”, registrando ainda que “ n o âmbito do Direito do Trabalho, em decorrência da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, não há a necessidade imperiosa de comprovação de situações subjetivas (fraude, abuso de poder, má administração, atuação contra a lei e o contrato etc.), bastando a insolvência ou o descumprimento da obrigação, pela empresa, para que o sócio responda com o seu patrimônio pela dívida da sociedade ”. Ou seja, a Corte de origem aplicou a teoria menor para a desconsideração da personalidade jurídica. 3. Ocorre que, no mesmo acórdão, o TRT concluiu que “assim, o descumprimento dos deveres impostos pela legislação vigente, na qual se insere a trabalhista, enseja a responsabilização pessoal dos administradores da sociedade anônima pelos prejuízos causados ao trabalhador”. (grifos acrescidos) 4. No entanto, conforme destaca Fábio Matias Gonçalves, ainda que o incidente da despersonalização jurídica possa ser dirigido em face de qualquer espécie de sociedade, tendo em vista que a principal característica das sociedades anônimas ” é justamente trazer ao acionista a segurança de que a sua responsabilidade está vinculada apenas ao valor de suas ações, deve-se ter em mente que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica é usado justamente quando estas características são utilizadas de forma abusiva, sendo assim uma regra à exceção ” (Desconsideração da Personalidade Jurídica de Sociedades Anônimas pela Aplicação do art. 50 do Código Civil, artigo, https://www.migalhas.com.br/arquivos/2017/11/art20171127-02.pdf, acesso em 08/02/2021). De fato, considerando que as sociedades anônimas são regidas por lei especial, fica claro que, em face do disposto no art. 158 da Lei nº 6.404/76, deve incidir a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica para a responsabilização do gestor da sociedade anônima, devendo, assim, haver comprovação da conduta culposa ou de prática de ato ilícito. Precedentes, inclusive de minha autoria. Recursos de revista providos por violação do artigo 5º, II, da CF e conhecidos” (RR-1000731-28.2018.5.02.0014, 7ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 07/06/2024).

 

Contexto do Caso

O caso em questão envolvia a possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade anônima para responsabilizar seus administradores pelos créditos devidos aos trabalhadores. O Tribunal Regional do Trabalho havia adotado a teoria menor da desconsideração, que permite a responsabilização com base no simples inadimplemento ou na ausência de bens suficientes para satisfazer o débito, sem exigir comprovação de conduta culposa ou atos ilícitos por parte dos administradores.

 

Teorias da Desconsideração da Personalidade Jurídica

No Direito Brasileiro, a desconsideração da personalidade jurídica pode ser abordada através de duas principais teorias:

 

Teoria Maior (Art. 50 do Código Civil): Exige a comprovação de culpa, abuso de poder, ou prática de ato fraudulento ou ilícito por parte dos administradores da empresa. Essa teoria é geralmente aplicada em sociedades limitadas e visa proteger a autonomia da pessoa jurídica e limitar a responsabilidade dos sócios.

 

Teoria Menor (Art. 28, § 5º, do CDC): Permite a desconsideração com base apenas na insolvência ou no inadimplemento da empresa, facilitando a responsabilização dos administradores mesmo na ausência de prova de conduta culposa.

 

Decisão do TST

No julgamento do TST, a 7ª Turma decidiu que, para sociedades anônimas, deve ser adotada a teoria maior da desconsideração da personalidade jurídica. O Tribunal argumentou que as sociedades anônimas têm características específicas, como a limitação da responsabilidade dos acionistas ao valor de suas ações, e são regidas por legislação especial (Lei nº 6.404/76). Assim, a responsabilização dos administradores requer a prova de conduta culposa ou ilícita, alinhando-se ao entendimento de que a teoria maior é mais adequada para essas entidades.

 

O TST também destacou que a aplicação da teoria menor, como adotada pelo Tribunal Regional, poderia enfraquecer as garantias e a segurança jurídica associadas às sociedades anônimas. A decisão reforça a necessidade de comprovação de atos fraudulentos ou abusivos para desconsiderar a personalidade jurídica em contextos onde a responsabilidade dos administradores deve ser mais bem fundamentada.

 

Impõe-se, ainda, ser destacado o disposto no art. 158 da Lei nº 6.404/76, que estabelece as causas de responsabilização do administrador das sociedades anônimas:

Art. 158. O administrador não é pessoalmente responsável pelas obrigações que contrair em nome da sociedade e em virtude de ato regular de gestão; responde, porém, civilmente, pelos prejuízos que causar, quando proceder:

I – dentro de suas atribuições ou poderes, com culpa ou dolo;

II – com violação da lei ou do estatuto.

  • 1º O administrador não é responsável por atos ilícitos de outros administradores, salvo se com eles for conivente, se negligenciar em descobri-los ou se, deles tendo conhecimento, deixar de agir para impedir a sua prática. Exime-se de responsabilidade o administrador dissidente que faça consignar sua divergência em ata de reunião do órgão de administração ou, não sendo possível, dela dê ciência imediata e por escrito ao órgão da administração, no conselho fiscal, se em funcionamento, ou à assembleia-geral.
  • 2º Os administradores são solidariamente responsáveis pelos prejuízos causados em virtude do não cumprimento dos deveres impostos por lei para assegurar o funcionamento normal da companhia, ainda que, pelo estatuto, tais deveres não caibam a todos eles.
  • 3º Nas companhias abertas, a responsabilidade de que trata o § 2º ficará restrita, ressalvado o disposto no § 4º, aos administradores que, por disposição do estatuto, tenham atribuição específica de dar cumprimento àqueles deveres.
  • 4º O administrador que, tendo conhecimento do não cumprimento desses deveres por seu predecessor, ou pelo administrador competente nos termos do § 3º, deixar de comunicar o fato a assembleia-geral, tornar-se-á por ele solidariamente responsável.
  • Responderá solidariamente com o administrador quem, com o fim de obter vantagem para si ou para outrem, concorrer para a prática de ato com violação da lei ou do estatuto. (destaquei)

Conclusão

O julgamento do TST no processo RR-1000731-28.2018.5.02.0014 é uma decisão importante na discussão sobre a desconsideração da personalidade jurídica em sociedades anônimas. A decisão evidencia a aplicação da teoria maior e reforça a necessidade de comprovação de má conduta para a responsabilização dos administradores. Este posicionamento contribui para a clarificação das normas e para a segurança jurídica das operações empresariais e dos direitos trabalhistas.